relacionamento familiar é a base para o bom desenvolvimento de todos os componentes da família. É nele que inicialmente aprendemos as primeiras lições de como agir e nos defendermos das maldades lá fora.

Hoje as famílias não são formadas por pais, mães e filhos. Há diferentes núcleos. Existem mães e pais solteiros, filhos que precisam conviver com novos parceiros dos pais, avós que criam netos, casais separados com filhos e até casais homossexuais que adotam crianças.

Pais saudáveis são aqueles que veem a educação e os conflitos familiares como algo que requer sabedoria, dedicação e amor para lidar com tão complicada tarefa. Os relacionamentos saudáveis não acontecem de forma mágica. 

É necessário respeito mútuo e reconhecer que as pessoas são únicas e diferentes. São essas diferenças que as tornam especiais. Há necessidade de reflexão e tranquilidade para manter o equilíbrio de forças antagônicas que existem nas relações familiares.

Pilares básicos de ideia familiar

Enxergo a família como um centro de treinamento, formação e transformação de nossa personalidade para o mundo. Uma escola preparatória. E, tal qual existem boas ou más escolas, as famílias também não fogem disso. Podem ser uma prisão ou uma alavanca.

Reconheço, antes de tudo, que são pessoas como outras quaisquer que pretendem criar seus descendentes e conviver entre seus entes da melhor maneira possível. Porém, como estamos falando de um agrupamento de pessoas, é natural encontrarmos configurações saudáveis e patológicas.

Podemos e devemos falar sobre ela sem idealizações que apenas nos privam de enxergar novos caminhos potenciais para a saúde.

Exponho agora alguns pilares básicos da ideia familiar, descrevendo o que considero saudável e patológico em relação a cada um deles. Em seguida, proponho novas visões sobre o tópico. Lembre-se, nada é matemático ou simples nessa jornada:

1. Senso de pertencimento

Depois da sobrevivência física, essa é a primeira necessidade que temos como seres humanos. Nascemos ridiculamente frágeis, vulneráveis. De maneira gradual, somos acolhidos por pessoas que nos dão nome, vivem e narram histórias conosco, ao mesmo tempo em que traduzem nossos comportamentos para nós mesmos.

Nos sentimos parte de um ninho relativamente seguro. Nosso lar.

A primeira tarefa da família é oferecer esse senso de pertencimento, dar a cada pessoa uma ideia de valor e importância pessoal. Nos dizer silenciosamente, “você é um de nós.”

Saudável:

Existem famílias incondicionalmente inclusivas e receptivas onde predomina o sentimento de aceitação pessoal e ninguém necessita ficar provando seu valor ou tentando ser uma pessoa “perfeita” para ser amada.

Patológico:

Muitos pais negam aos filhos uma comunicação afetiva ao polarizar associações do tipo:

Bom comportamento = Amor
ou
Mau comportamento = Frieza

Não conseguem repreender e educar um filho. Possuem dificuldade ao expressar afeto e sutilmente comunicam aos filhos que, caso não se comportem bem, terão o carinho negado. Interpretam mal as pedagogias modernas e acham que se darem afeto após um mau comportamento, irão perpetuar a atitude indesejável. É possível ser firme, sério e preciso sem quebrar a amorosidade.

Por vezes, os pais se decepcionam com o mau comportamento dos filhos – na verdade espelham suas próprias falhas. E acabam educando por meio do desapontamento amargurado. Sem que percebam, para não sentirem seus egos feridos, se congelam por dentro e ficam fisicamente presentes, mas emocionalmente distantes, automáticos. Só sabem agir se o time está ganhando e eles forem eleitos os pais do ano.

Caminhos:

Tratar os filhos para que se sintam merecedores de amor em qualquer condição, inclusive quando são repreendidos. Para tanto, os pais devem se empenhar em superar os próprios sentimentos de não pertencimento em relação aos próprios pais. Devem ainda ter cuidado expressar seus julgamentos, pois isso pode criar a ideia de que só aqueles que compactuam de sua visão têm o direito de pertencer.

Permitir aos filhos que errem e acolher seus descaminhos com tranquilidade é essencial.

2. Troca afetiva

Tratamos aqui do desenvolvimento de nossa capacidade em sentir empatia, amor, cuidado para com aqueles que nos cercam e queremos bem. É mais delicado do que parece.

Saudável:

Para uma criança, a forma mais básica de entender amor passa pelo toque. Muitos pais imaginam que bastaria a presença, a fala, bons conselhos ou o dinheiro para demonstrar amor. No entanto, crianças não entendem essa linguagem simbólica, abstrata e conceitual. Nossa pele pede calor.

O afeto que recebemos é parte fundamental do sentimento de esperança que carregaremos pela vida. As pessoas pessimistas normalmente tiveram uma pobreza afetiva na infância.

A família saudável consolida um senso de amorosidade por meio dos necessários afagos, cafunés, abraços e beijos.

Patológico: 

Muitas famílias acabam reproduzindo em casa a frieza e o congelamento emocional de gerações passadas. Presas num ciclo de dor, se fecham para a troca genuína e desinteressada de afeto. Justificam seu distanciamento por uma história de dor e se esquecem que muitas pessoas afetuosas deram o salto de mudança e não se acomodaram no passado de dor para muletear uma vida com falta de amor.

Outras famílias são apenas caricaturas de abraços e beijos. Não possuem real intimidade emocional. Falam sobre carinho e preocupação, mas temem entrar em contato com a vulnerabilidade essencial que nos torna humanos.

Várias pessoas olham seus pais e irmãos e têm uma sensação estranha de amor e mágoa. Agradecem o cuidado que tiveram, mas não conseguem deixar de cobrá-los por terem exagerado ou faltado nos cuidados emocionais.

Não é estranho notar alguns relacionamentos amorosos de jovem casais serem desastrosos, por inconscientemente reproduzirem modelos de amor misturados com raiva e medo de intimidade.

Ponderações…

Enquanto esperar que tudo esteja bem para oferecer algo de bom, sempre irá perpetuar um passado de dor. A intimidade emocional pode expor suas fragilidades, mas é ali que a verdadeira conexão acontece e desarma sentimentos de dominação familiar. É importante que se discutam sentimentos e não se restrinja a falar de fatos da vida familiar.

3. Comunicação

A família dá o contexto, a forma e o conteúdo de grande parte da maneira como vamos nos comunicar com o mundo ao longo de nossas vidas. O dicionário é o mesmo para todos, mas certas palavras carregam o tom próprio que trazemos de berço.

Saudável: 

Uma comunicação positiva não é sempre florida, óbvio. Apenas busca ser clara e afetiva. Se vamos compartilhar um pensamento sabemos que teremos ouvidos atentos para não tirar conclusões precipitadas.

Patológico: 

Muitos se queixam que, ao tentar falar algo de si, recebem uma enxurrada de conselhos, julgamentos e imposições carregadas de caminhos fechados, pessimistas, amedrontadores e pouco estimulantes. Essa é uma comunicação que não facilita. Ela interrompe, quebra, bloqueia e frustra o desenvolvimento psicológico.

Podemos perceber que uma pessoa tem pendências nessa área quando ela não se sente compreendida ao falar, pois seu vocabulário emocional é tão restrito ao que viveu com os pais que não consegue ter empatia pela fala do outro e perceber que nem todos falam a mesma “língua”, apesar de usam o mesmo idioma.

Ponderações…

“O que” dizemos é tão importante quanto “o como” dizemos. Honestidade acompanhada de gentileza aproxima muito mais do que a transparência e a sinceridade agressivas. Sentimentos como a raiva são bem vindos desde que olhemos para a tristeza e o medo que eles escondem. Fazer esse exame auto-crítico é doloroso, mas necessário.

4. Aprendizagem, senso de realidade e limites

Parte da tarefa do convívio familiar é dar um senso de realidade e limites, educar. Esse é um dos campos mais delicados, pois cada palavra e gesto expressa os valores, tabus, preconceitos e visões de mundo os pais adotam.

Saudável: 

Quando há uma transmissão, sobretudo pelo próprio exemplo – afinal, crianças são copiadores dos pais. Deixando bem claro que nem tudo o que queremos está ao nosso alcance.

A família saudável educa também ao inibir um pouco da insaciável natureza humana, desmedidamente desejosa. Assim conseguimos conviver com outras pessoas de forma civilizada, ao entender que elas também possuem os mesmos anseios.

Patológico: 

A família doente falha ao educar. Se perde num conjunto de regras sem sentido que se alternam de acordo com o humor, disposição física e as próprias frustrações dos familiares.

Muitos pais se agarram em um ideal de ordem e respeito patriarcal que beira a rigidez militar. Esbravejam e impõem regras. Gozam de sua autoridade para descontar nos filhos – mais frágeis física e psicologicamente – suas frustrações pessoais e instinto de dominância. O tapa na bunda se torna uma maneira de extravasar seus sentimentos de impotência pessoal, sob o pretexto de limitar um mau comportamento.

Ponderações…

Regras específicas são importantes ao educar mas valores e contextualização são a pedra fundamental, pois ensinam como lidar com as situações imprevistas que a vida arremessa sobre nós. Corri um grande risco quando publiquei o livro “Mães que amam demais” ao revelar como o exagero de mães e pais que se acham inquestionáveis pode atrapalhar o desenvolvimento dos filhos.

Aos patriarcas e matriarcas, deixar claro os limites do mundo por meio da autoridade é válido desde que não alimente uma necessidade compulsiva de estar acima de todos, todo o tempo. Essa imposição controladora apenas afasta a família de estruturas nas quais o aprendizado e constante crescimento flui naturalmente.

5. Expressão pessoal – Relacionamento familiar

A família é chave ao criar a narrativa que nos identifica como seres únicos – ainda que sejamos bem menos especiais e mais comuns do que imaginamos.

É importante que o núcleo familiar ofereça espaço para manifestação pessoal de tal forma que a pessoa consiga responder a perguntas como “quem sou eu?” – e, ao mesmo tempo, explorar novas descobertas sem sentir o peso de um script pré-determinado pelos pais.

Saudável: 

Os próprios familiares se ajudam a entender comportamentos sem impregnar em cada palavra rótulos, papéis rígidos e preconceitos. Entende-se que ninguém precisa ser o bonzinho, o bandido, o sapeca ou o perdido da família. Todos procuram se ver como pessoas com espaço para se redescobrir e se reinventar, sem colocar em cheque o senso de pertencimento.

Patológico: 

Aqui notamos como a família patológica tende a impor e solidificar papéis ora declarados, ora ocultos, condicionando os próprios membros a seguirem numa trama invisível sem fim, acorrentados numa persona aprisionante.

Ninguém parece saber exatamente qual caminho seguir, só sabem que o caminho que seguiram não deu certo em algum momento.

Recusam a própria história e tentam recontá-la de formas distorcidas aos outros para se convencer de que tudo foi pior ou melhor do que de fato foi. Alguns viram heróis de si mesmos. Outros, eternos coitados e impotentes, lamentando a má sorte por anos sem fim. Ainda outros seguem a vida em uma fina película de normalidade, sob a qual pairam sentimentos que cambaleiam entre culpa, vergonha e angústia por memórias torturantes.

Todos com dificuldade em se expressar e construir uma identidade própria.

Caminhos:

A ordem e a previsibilidade facilitam caminhos, mas o caos abre novos espaços. É interessante nos observarmos como seres menos coerentes, coesos e cheios de certeza. Compartilhar dúvidas com nossos familiares cria curiosidade e empatia, nos ajudando na confusa estrada de nossa construção pessoal.

Nenhuma família é normal. Mas todas podem melhorar a sua influência na vida de seus membros. Deixem suas perguntas sobre questões e conflitos familiares nos comentários. Esse artigo é apenas a ponta do iceberg de uma longuíssima e fascinante conversa, pessoal.

Por fim, deixo sugestões de leitura para se aprofundar no tema:

Fonte: Relações, mente e atitude Mecenas (Frederico Mattos)

Boa leitura

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